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O MILAGRE DO “VISCONDE DE MONTELO”

– por ALFREDO BARROSO (no «i» de 12 de Maio)

Segundo estimativas publicadas na Imprensa, nomeadamente na edição portuguesa da revista Forbes, as receitas do Santuário de Fátima (que se mantiveram «estáveis nos últimos 11 anos») terão ultrapassado os 19 milhões de euros em 2016, embora estejam longe de constituir a maior fonte de receita da Igreja em Portugal. «Se multiplicássemos, de uma forma simplista, as receitas da diocese de Lisboa por 21 (é este o número das dioceses em Portugal, que agregam 4378 paróquias) estaríamos a falar de receitas de quase 40 milhões de euros», escreve a Forbes.

«Acredita-se, no entanto, que este número seja mais elevado». E aquela revista acrescenta: «A equação dos milhões da Igreja é muito ampla. Tem várias ramificações, diferentes origens e “donos” distintos» – desde, por exemplo, o dinheiro que é gerado pelas ordens religiosas até aos valores recebidos pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social.

No entanto, pode a hierarquia da Igreja portuguesa ficar descansada, que o Papa Francisco, por mais bondoso e “revolucionário” que seja, não vem ao Santuário de Fátima fazer como Jesus Cristo e expulsar os vendilhões do templo. Aliás, de dois templos: a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, que levou 25 anos a construir (entre 1928 e 1953); e a moderníssima Basílica da Santíssima Trindade, inaugurada em 2007, e que terá custado cerca de 80 milhões de euros, ou seja, dez vezes mais do que o Centro Espiritual do Turcifal, na região Oeste.

O Papa Francisco, que se apresentará como «bispo vestido de branco», vem recordar o exemplo dos «bem-aventurados Francisco e Jacinta», que ele vai canonizar, e vem evocar a «Senhora da veste branca», no local onde há cem anos mostrou «os desígnios da misericórdia do nosso Deus» – conforme consta da oração já disponível no Missal da viagem, da responsabilidade do Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice (na Santa Sé).

Podia ocorrer ao Santo Padre citar Jesus Cristo – «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e ganharás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me» (Mateus 19:21); «Vendam o que têm e dêem aos necessitados, e assim encherão o vosso cofre no céu! Ali os vossos tesouros jamais desaparecerão: nenhum ladrão os poderá roubar, nem nenhuma calamidade os destruirá» (Lucas 12:33); «Nem vocês nem ninguém pode servir dois senhores. Ou odiarão um e serão fiéis ao outro, ou, ao invés, terão entusiasmo por um e desprezarão o outro.

Não se pode servir Deus e o dinheiro» (Lucas 16:13) – mas é óbvio que não o fará! O Papa Francisco, nascido Jorge Bergoglio, tem a noção dos limites do seu poder e não quererá que lhe suceda o mesmo que ao Papa João Paulo I, nascido Albino Luciani, morto (envenenado?) ao fim de 33 dias de pontificado (Agosto e Setembro de 1978). Ninguém lhe perdoaria que afrontasse a memória dos dois grandes «construtores» das «aparições» de Fátima.

Um deles, o padre Manuel Couto, até foi «construtor» sem o saber, ao descrever, na sua sinistra «Missão Abreviada» (1859) a «aparição de Nossa Senhora a dois pastorinhos no Monte Salette, em França, aos 19 de Setembro de 1846». A mãe de Lúcia leu várias vezes diante desta «o caso de La Salette», mas Lúcia, que se orgulhava de memorizar logo à primeira as histórias contadas pela mãe, «nunca deu notícia» deste caso, por mais que lhe perguntassem. E são espantosas as semelhanças entre a descrição feita pela pastorinha Melania da «aparição» no Monte Salette, e a descrição feita pela pastorinha Lúcia da «aparição» ocorrida na Cova da Iria. A «aparição» de Fátima é quase cópia fiel da «aparição» em La Salette. Et pour cause…

O outro grande «construtor» do «milagre», sem dúvida o maior e mais importante, foi o “Visconde de Montelo”, pseudónimo do cónego Manuel Nunes Formigão, mais conhecido e citado como o «dr. Formigão», laureado em Teologia e Direito Canónico, devoto do «milagre» de Lourdes, onde se comprometeu, «aos pés da Virgem, a divulgar a devoção mariana em Portugal». Considerado «uma trombeta de Deus» pelo Arcebispo D. Manuel Mendes da Conceição, era tratado como o «apóstolo de Fátima», e mesmo, imagine-se, como o «quarto “pastorinho” de Fátima». Sob o pseudónimo de “Visconde de Montelo”, o dr. Formigão escreveu vários livros para edificação dos milagres da Cova da Iria, nomeadamente: «As grandes maravilhas de Fátima» (1927); «Fátima, o Paraíso na Terra» (para ajudar na construção da primeira Basílica); «A Pérola de Portugal» (1931); «Fé e Pátria» (1936). É significativo o que sobre ele escreveu o segundo bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio: «Através da sua acção e da sua pena ao serviço da Igreja e dos acontecimentos de Fátima, o cónego Formigão antecipou-se à Igreja que bem serviu. Depois dos Pastorinhos, o Sr. Formigão foi o instrumento escolhido por Nossa Senhora para garantir a autenticidade de tais acontecimentos». Isto é: sem ele, não haveria «milagre».

A causa da beatificação do dr. Formigão conta com seis mil páginas, fechadas e lacradas em 20 caixas, no Vaticano. Mais dia menos dia, a Pátria terá o seu Santo Formigão!