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Dia: 7 de Janeiro, 2017

7 de Janeiro, 2017 Carlos Esperança

Homenagem a quem não precisou de um deus

Mário Soares – vida cumprida

As circunstâncias fazem mais pelos homens do que estes fazem por elas, mas são os homens (homens e mulheres) de exceção que moldam o futuro e marcam a História.

Há 43 anos eram de exceção os Capitães de Abril, e de exceção foram quatro líderes civis que emergiram da Revolução que os militares fizeram. E moldaram o regime.

Raramente um único país consegue ter, em simultâneo, homens da dimensão de Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral, na diversidade das suas opções políticas, dos interesses de classe que representaram e dos projetos que serviram. Todos são dignos de admiração, para lá do julgamento pessoal das opções políticas de cada um.

Com a morte de Mário Soares, só resta Freitas do Amaral, homem sábio que os ignaros acusam de inconstante, quando foi a sua coerência a afastar dele o partido que fundou.

As circunstâncias e o homem fizeram de Soares o principal obreiro civil da democracia. Foi o mais pragmático na interpretação da vontade dos portugueses quanto ao modelo de regime que quiseram e, nisso, pôs a sua determinação, coragem física e intelectual, numa entrega que prolongou até ao fim, tal como o havia feito na resistência à ditadura.

Recorde-se que foi preso 13 vezes pela PIDE, deportado para São Tomé, por ordem de Salazar e, depois, exilado por ordem de Marcelo Caetano.

O desaparecimento de Mário Soares deixa o sabor amargo de um antifascista que parte, do lutador que nunca desistiu, de um vulto de rara dimensão cultural, cívica e política.

Deixa, como legado, o exemplo de cidadania e a grandeza de preferir a derrota à fuga ao combate, certo de que os vencedores e os vencidos têm em comum a coragem de lutar.

Tombou um gigante e o patriota de quem tantas vezes discordei, quase sempre do lado errado.

Obrigado, Mário Soares.

Requiescat in pace.