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O ar de Fátima

Confesso que hesitei bastante antes de escrever este artigo. Afinal, o ar de Fátima é vendável e “abençoado”, seja isso lá o que for. Afinal, decidi-me, quanto mais não seja para demonstrar que, em coisas de religião, nada foi inventado. Pelo menos, nos tempos mais próximos, no passado. As religiões limitaram-se a copiar e adaptar o que já existia, incluindo tudo o que diga respeito a negócios.

Em 2011 dei à estampa um livro. Chama-se “O Alfa das 10 e 10”. Já nesse livro alguém se lembrava de vender ar da Serra da Estrela, aliás com enorme sucesso, como se pode ver pelo trecho que transcrevo: «Eis, pois, que o terno passou a deslocar-se semanalmente à Guarda, às vezes mais que uma vez por semana, donde traziam o carro atulhado de garrafas e garrafões de plástico cheios de ar puro da Serra que, depois, iam vendendo a quem tivesse dificuldades respiratórias, três euros a garrafa, dez euros o garrafão, se devolvessem o vasilhame tinham desconto de cinquenta cêntimos, meus amigos, aquilo vendia-se como pão na padaria, quando havia padarias, naturalmente, podem não acreditar mas eu posso assegurar-vos que houve pessoas que passaram a sentir-se melhor, a respirar sem dificuldade, algumas houve a quem o médico garantiu, doença pulmonar obstrutiva crónica? Nem pense nisso! Os seus pulmões estão limpos como a palma da minha mão, grande coisa é a psicologia, o terno voltou a encher-se de dinheiro, e já pensava em comprar uma carrinha (…).” Claro que não me passa pela cabeça reclamar “direitos de autor” até porque, provavelmente, já outros tinham tido a ideia antes de mim. O que importa assinalar, é: quando se vende um produto com determinadas características, não é ao vendedor que recai o ónus da prova dessas características? Não se pode vender pasta “medicinal” mas pode-se vender ar “abençoado”? “Abençoado”, por quem?  E é mesmo de Fátima? Tem certificado de garantia? O ar é vendável, seja abençoado ou poluído, passe a redundância? Será que, em nome das coisas ditas sagradas se pode burlar impunemente como, aliás a própria Igreja faz?

Pelo que vejo nas redes sociais, há quem ache “brilhante”, a ideia. Não admira: quem come uma rodela de pão ázimo julgando que é corpo e sangue de um tipo qualquer, também embarca no ar “abençoado”. Basta que goste de ser enganado.