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Dia: 11 de Dezembro, 2015

11 de Dezembro, 2015 Luís Grave Rodrigues

Ingenuidade

11 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

Da série quão irracional a fé torna uma pessoa

Por

Carlos Tavares*

Orar não faz sentido
Quando não há altruísmo na fé
Os lúcidos, só os lúcidos, conseguem enxergar quão vazia de virtude e sentido é a fé. Só a desnudando, imunizado com a racionalidade – por conta de sua peçonha e perigosa toxidade – para que sua fragilidade lógica nos salte aos olhos…

Vejamos como a fé é tóxica e nos reduz à irracionalidade. Não há cidadão honesto sequer que não se indigne ao saber que o concurso público do qual participa não passa de um jogo de cartas marcadas, ou seja: que, por critérios escusos e criminosos, alguns concorrentes apadrinhados foram previamente escolhidos para as limitadas vagas anunciadas, em ludíbrio de todos os outros que pagaram inscrição, horas de cursos e se dedicaram aos estudos para disputar legitimamente, pelo intelecto e a competência, o cargo que acreditavam estar disponível, não loteado.

Injustiça! Desonestidade! É o brado comum de protesto dos vilipendiados. É que quando um cidadão concorrente, seja a qualquer pleito, busca meios extraordinários de privilégios para conquistar seu intento, ele está cometendo desonestidade e crime. Isso independe da importância do que se pleiteia. Quando se oferece ou se aceita, de forma facilitada, uma vaga funcional – que deveria ser disputada pública e democraticamente por meio de concurso intelectual de aptidão -, constrói-se um fosso de injustiças. Joga-se na lata do lixo o direito inalienável à liberdade, os sonhos, o esforço e a competência de muitas pessoas. Além de ser uma atitude de extrema arrogância – da parte de quem oferece a facilidade -, por se julgar no direito de interferir numa livre disputa; e de patético egoísmo – da parte de quem aceita ou suborna -, por se considerar mais merecedor do que os outros.

Porém quando esses mesmos indignados cidadãos se revestem da fé para, na prática, buscarem favorecimentos sobrenaturais, o senso de indignação transforma-se em louvores. Analisemos agora esse argumento à ótica da fé. João é um homem de fé. Acredita tanto em deus que o classifica como o ser mais poderoso de todo o universo. Sua fé é tão grande que ele não se constrange de, em determinados momentos, invocar o seu deus para interferir em negócios ou contendas particulares, enquanto tragédias humanitárias acontecem pelo mundo. João sempre acha que suas causas são mais justas para invocar ajuda divina. Desempregado, João se inscreve num concurso público. À função que lhe compete, poucas vagas estão disponíveis. O desolador é que centenas de candidatos também pleiteiam uma dessas vagas. João sabe que, dentre estes, muitos são mais competentes; muitos estão mais preparados. Sozinho, sem um pistolão, um apadrinhamento, sabe que não conseguirá uma dessas vagas. Mas tem João uma esperança, ainda. A fé. A sua inabalável fé. É por ela e em nome dela que João dispensa os livros, o aperfeiçoamento. “Eles podem estar mais preparados, mas eu tenho o meu deus, que é mais poderoso do que qualquer um deles. Vamos para a batalha, e deus está comigo! Tudo posso, naquele que me fortalece.” Nos trinta dias que faltam para o concurso, João se reveste da fé. Ora, jejua, participa de correntes, de vigílias, faz propósitos, chora, implora, bajula o seu deus, o todo poderoso, o maior pistolão, a maior autoridade do universo. Vai, à prova, convicto de que o seu deus a fará por ele, ou então que há de soprar-lhe aos ouvidos as questões corretas. Ignora João, porém, fato perturbador: para deus lhe dar a classificação, terá que fazer muitos outros concorrentes seus errarem. Inclusive os competentes. Diante de tanta fé, os mesmos cidadãos dirão: “Que exemplo de fé, João, que coisa linda, deus é bom, deus é fiel etc, etc”. A fé entorpece. Cega.

Ao orar e fazer penitências a uma divindade para conquistar uma vaga num concurso público, estou renunciando o esforço próprio pela comodidade de pedir, a uma suposta autoridade, uma forma de facilitar minha aprovação, mesmo que, em tese, isso signifique claro prejuízo a todos os outros concorrentes que preferiram se dedicar aos estudos a buscar apadrinhamentos, sejam eles de que instância forem. E isso serve até para aqueles que estudaram diligentemente as matérias, mas não abrem mão de acender uma vela, ofertar promessa ou dirigir orações ao objeto da crença de sua fé. Se houve dedicação ao estudo, por que pedir favores a forças ocultas? Se não me qualifiquei, tal pedido passa a ser corrupção. O simples ato de acreditar que através de orações seu deus pode sim interceder a seu favor para garantir sua vaga faz de João um desonesto. E, por que não, também criminoso. É que, independentemente da divindade invocada existir ou não, João impiedosamente ignora o sacrifício e a competência dos outros. Ele atropela a ética, não respeita a isonomia de direitos, para fazer valer a sua vontade, quando pelo simples fato de acreditar que, com sua fé, pode ser merecedor da vaga, mesmo sem possuir a competência exigida, porque o seu deus, autoridade maior, que tudo pode, manipulará o resultado do concurso em seu benefício. A fé impede João de enxergar que a sua atitude também é uma forma de suborno, tanto quanto a outra, quando apenas agentes humanos estão envolvidos. E ainda traz um gigantesco embaraço para a sua divindade adorada, que não deixa claro quando interfere e quando tibetanamente respeita a liberdade de decisão (o famigerado livre-arbítrio, criado, no século 5, pelo cristianismo) de suas criaturas. É com essa singela lógica distorcida que a fé constrói, de oração em oração, a legitimidade para se odiar gays e ateus, lapidar mulheres e queimar inocentes nas santas fogueiras de deus.

Carlos Tavares*
7 de janeiro de 2010

* Jornalista brasileiro (cidade de Três Rios – Estado do Rio de Janeiro – Brasil)