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Dia: 8 de Abril, 2015

8 de Abril, 2015 Carlos Esperança

Debate civilizado

Escola Prof. Doutor Ferrer Correia – Debate com o padre Nuno Santos

Referida a impossibilidade teórica de o ateísmo ser uma crença, tal como não jogar futebol não ser desporto, o debate foi um exemplo de moderação e respeito mútuo, com o padre Nuno a manifestar a sua crença e eu, que não distingo a água benta da outra, a dizer que a descrença não depende de um ato da vontade.

É fácil num ambiente circunscrito concordar em objetivos comuns, com um único ponto de discórdia, o clérigo, doutorando em Teologia, a afirmar que se trata de uma ciência e o ateu a negar tal qualidade por lhe faltar o método e o objeto.

Foram duas horas cordiais, sem azedume ou ofensas, com a minguada plateia a aceitar opiniões divergentes. Sobrou em urbanidade o que faltou em picardia. O padre aceitou o facto de as religiões serem, ou terem sido, detonadoras de violências, tal como o ateu se referiu a violências de regimes ateus por razões políticas.

Ambos concordámos que a laicidade é um fator de liberdade, a única possibilidade de garantir a liberdade religiosa ou, mesmo, antirreligiosa.

Cumprimos o dever cívico de manifestar as convicções sem pretender conversões, com a benevolente moderação da Prof. Dr.ª Cristina Vieira.

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8 de Abril, 2015 Carlos Esperança

As ditaduras, religiosas ou não, são assim

Coreia do Norte executou 80 pessoas por verem filmes ou lerem a Bíblia, diz imprensa sul-coreana.

Dezenas de milhares de pessoas, incluindo crianças, terão sido obrigadas a assistir às execuções realizadas numa acção concertada em sete cidades do país.

Kim Jong Un com membros da sua guarda militar numa fotografia sem data disponibilizada em Outubro pela Agência Central de Notícias da Coreia do Norte REUTERS
  • A notícia da execução pública de 80 pessoas na Coreia do Norte neste mês foi dada por uma única fonte, anónima, a vários jornais da Coreia do Sul, mas rapidamente se espalhou na imprensa internacional.

Segundo jornais de Seoul, como o JoongAng Ilbo, um dos maiores e mais influentes do país, as 80 pessoas, algumas consideradas culpadas de actos delituosos para o regime de Pyongyang, como ver vídeos de entretenimento sul-coreanos ou estar em posse de uma Bíblia, foram executadas em público em sete cidades, perante o olhar de milhares de pessoas onde se incluíam crianças, forçadas a assistir. Numa das cidades, as autoridades juntaram dez mil pessoas para assistir. Algumas das vítimas tinham sido acusadas de disseminar pornografia.

8 de Abril, 2015 Carlos Esperança

Os crentes e a tolerância

O aparecimento de crentes tolerantes vai-se tornando uma constante a que urge estar atento. É um fenómeno das sociedades democráticas onde a secularização exerce a sua pedagogia. A religião não faz ninguém bom, mas não estraga todos por igual. Os livros sagrados refletem a violência da época e a idiossincrasia de quem os escreveu, mas são poucos os crentes que os leem e menos os que os levam a sério.

A verdade revelada dos quatro livros escolhidos no consulado de Constantino teve mais a ver com os interesses do Império Romano do que com as necessidades espirituais do Imperador. Esses livros, evangelhos, refletiam interesses políticos que se tornaram determinantes para a organização política da ICAR e a conquista do poder temporal que logrou. Outro tanto aconteceu com a Tora, primeiro, e o Alcorão, depois.

Curiosamente, ainda hoje a ICAR vai buscar aos evangelhos que ela própria declarou apócrifos factos e personagens a que atribui valor canónico. É o caso de Ana e Joaquim, acoimados de santos e distribuídos a Jesus, como avós maternos cuja vida e respetiva existência os «verdadeiros» omitem.

Excetuando épocas de crise em que o sentido literal da Tora, Bíblia e Alcorão são objeto de um proselitismo infrene, a tendência vai no sentido da relativização dos textos e o cumprimento da vontade de Deus aligeira-se como se o próprio, suspeito de Alzheimer, começasse a merecer desconfiança.

Com crentes tolerantes e civilizados é possível alargar os espaços democráticos e levar o respeito pelos direitos humanos a regiões onde é desconhecido. Seria trágico que, por questões de assepsia, os ateus recusassem dar as mãos aos crentes, de qualquer credo, que sobreponham o espírito da paz à paranoia do proselitismo. Basta, para desgraça, que a inversa se verifique.

Infelizmente, à medida que a instrução, a diversidade cultural, o pluralismo e a miscigenação vão aproximando povos e criando laços fraternais, recrudesce no seio do clero das diversas religiões o pânico pela perda do poder, o horror à extinção, a volúpia da supremacia e a obsessão pelo absolutismo e a verdade única.

O clero tem reflexos tribais que urge conter com a difusão e aprofundamento da laicidade e tendências prosélitas que a separação da Igreja e do Estado minoram. A vocação totalitária, que a sociedade civil deve refrear, precisa de uma vacina que permita a vitória da paz, da liberdade e do livre-pensamento. A vacina existe – chama-se laicidade –, e interessa a ateus, crentes e agnósticos.

A liberdade religiosa, reconhecida pela primeira vez, pela Igreja católica, no concílio Vaticano II, foi vista com azedume por João Paulo II e Bento XVI, mas a reafirmação explícita e veemente, pelo Papa Francisco, dá à sua Igreja autoridade moral.