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  • 28 de Julho, 2014
  • Por Carlos Esperança
  • Laicidade

DA LIBERDADE RELIGIOSA – O CASO DA PROCURADORA ADVENTISTA

Por

João Pedro Moura

Uma Procuradora do Ministério Público, adventista, reclamava há anos contra o seu trabalho profissional, ao sábado, que contrariava um princípio da sua confissão religiosa.
A sua reclamação não foi deferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), mas foi-o pelo Tribunal Constitucional, recentemente, como noticiou a imprensa.

Sumariamente, e sem entrar em pormenores, até porque desconheço os acórdãos, mas baseando-me no que li na imprensa, o STA indeferiu o seu pedido, alegando que os procuradores não têm flexibilidade laboral e que, como tal, a liberdade religiosa não poderia prevalecer sobre os deveres funcionais.

O TC contra-argumentou, alegando que os procuradores têm um horário flexível e por turnos, deduzindo que, assim, não haveria razão para declinar o pedido de dispensa de trabalho ao sábado.
Mais disse o TC que a liberdade religiosa não era um princípio abstrato e que, para ser exercida, havia que dar condições aos religionários e suas pretensões.

Todavia, o TC não tem razão, como eu irei fundamentar, seguidamente:

1- O exercício da liberdade religiosa jamais poderá colidir com o exercício profissional, sob pena de se prejudicar uma profissão, isto é, sob pena de se prejudicar os beneficiários de tal profissão e/ou os colegas da mesma profissão ou serviço.
A ser alguém prejudicado, e o prejuízo social é o melhor indicador de razões, então que seja o religionário, pois que só se prejudica a ele (e que prejuízo?!) e não as outras pessoas usufrutuárias do serviço ou os eventuais colegas do religionário reclamante de benesse profissional.

2- Assim, num conjunto de procuradores afetos a determinada comarca ou serviço judicial, se houver um adventista, ou mesmo 2 ou 3 ou mais, reclamadores do privilégio de folga religiosa ao sábado e a serem satisfeitos por legislação própria, irá levar à sobrecarga dos outros procuradores e fazê-los trabalhar mais ao sábado, numa regra decerto constrangente para estes últimos, pois que quereriam continuar a trabalhar ao sábado quando fosse o turno deles e não quando fosse o turno deles mais o dos religionários privilegiados…

3- Imaginemos agora uma sociedade onde se praticasse o conceito de liberdade religiosa, à moda do TC, em que um conjunto de muçulmanos reclamavam para não trabalharem à sexta-feira…
Tínhamos, por exemplo, um professor islâmico isento à sexta-feira, a que acrescia a folga normal ao sábado e ao domingo…
…Ou um procurador, militar, polícia, bombeiro, enfermeiro, médico, islâmicos, a reclamarem por folga à sexta… e a obrigar, assim, os outros, não-muçulmanos, a trabalharem mais nesse dia…

4- Imaginemos esse conjunto de profissionais, agora do quadrante judaico e daquelas igrejas cristãs fundamentalistas, tal como a adventista, todos a pedirem isenção de trabalho ao sábado, prejudicando o outro conjunto de colegas, que se obrigariam a trabalhar mais nesse dia, contra a sua vontade…

5- Imaginemos uma igreja, defensora contumaz de folga ao domingo, e que congregasse a maioria duma população sequaz, pessoas essas recusando-se a trabalhar ao domingo!…
Seria interessante chegar ao domingo e ver tudo fechado: cafés, restaurantes, bombeiros, polícias, militares, jogos desportivos, serviços de saúde, lojas comerciais, tudo…
… Ou estarem abertos alguns serviços ou algumas lojas, em modo de défice de pessoal…

6- Ao que chegaria o conceito de que a liberdade religiosa passaria pela sobrecarga de trabalho dos outros, em certos dias, para que suas excelências, os religionários fanáticos e contumazes, nos seus preceitos religiosos, tivessem o privilégio de folga, mas os outros não, mesmo que estes quisessem, sem presunção religiosa, continuar a folgar em modo normal…

7- Aqui há tempos, foi uma candidata a advogada, também adventista, que se recusou a fazer uma prova ao sábado. Isto é, para que sua excelência tivesse a benesse e o privilégio de não fazer tal prova ao sábado, ela e os outros teriam que fazer de segunda a sexta, ou então, ter-se-ia que fazer uma prova específica para sua excelência, a adventista, noutro dia, obrigando os fazedores de provas a trabalhos redobrados, que certamente não gostariam de fazer…

8- Para estes males, existe a laicidade, que é o reconhecimento da religiosidade, sem outorga de privilégio a ninguém, pois que o privilégio de uns seria o ónus doutros.
As pessoas deverão ter liberdade religiosa, desde que esta não colida com o funcionamento normal dos serviços e da própria sociedade.
A não ser assim, está-se a colocar a liberdade religiosa acima do restante direito, beneficiando uns e prejudicando outros.

9- A base mínima do entendimento social e fundamento da agregação de pessoas é o direito que as une a todas e que passa pelo funcionamento de serviços comuns, como saúde, educação, habitação, trabalho, lazer, etc.
O direito e a consequente respeitabilidade cívica está aí!
A liberdade religiosa, concomitantemente, é uma parte do direito, que se subpõe ao direito geral e às liberdades gerais, não podendo, portanto, subjugá-las.