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Dia: 26 de Junho, 2014

26 de Junho, 2014 Carlos Esperança

Do dia nacional do cão ao do peregrino

Em 1 de junho de 2005, o deputado Luís Marques Guedes, e outros signatários do PSD, apresentaram um projeto de resolução que visava a instituição de um “dia nacional do cão”.

Queriam “instituir no calendário oficial um dia dedicado à sensibilização de todos para o importante papel que a relação com os cães tem na nossa vida, dia que pode ser particularmente interessante para uma importante pedagogia de valores de cidadania a incutir nas nossas crianças e nos nossos jovens, razão pela qual parece adequada fazer aproximar esta data do 1 de Junho, Dia da Criança” – lia-se no projeto.

Houve quem visse no benemérito desejo, cuja data seria o 6 de junho, não um ato de grande alcance canino mas uma auto-homenagem dos proponentes. O País, nada perdia e apenas foi pretexto para enxovalhar os deputados proponentes e para privar o País de tão meritória efeméride que anualmente se ladraria. Agora, com a força do voto da maioria, a que não faltará o pio apoio de algum deputado de outra bancada, a Assembleia da República discute esta quinta-feira uma proposta do PSD e do CDS-PP para fazer do dia 13 de outubro o dia nacional do Peregrino.

A ideia, sem impacto no défice, é uma homenagem ao Milagre do Sol, sucesso que teve lugar na data, em 1917, quando o Sol, movido à manivela por um deus antirrepublicano, desatou às cambalhotas na Cova da Iria, local onde um virgem saltitava de azinheira em azinheira e um anjo desceu no anjódromo local. A maioria considera que o “ato de peregrinar” vai para além da condição religiosa e tem também “uma dimensão social, cultural e económica que se deve também valorizar”.

Os tasqueiros da beira da estrada rejubilam, a secretaria de Estado da Cultura não deixará de patrocinar obras sobre milagres e o país exultará de rastos em maratonas pias. Do céu não cairá um milagre, mas a AR devia ser abendiçoada com um milagre obrado durante a votação, com a Virgem a esvoaçar sobre as bancadas da maioria, para mostrar aos incréus o 4.º segredo de Fátima.

No joelhódromo de Fátima já há interessados para construir uma passadeira rolante para coxos, uma alternativa onde a fé esfola os joelhos e a caixa de esmolas esvazia carteiras. Nas veredas que conduzem a Fátima já há pedidos de alvará para vender bolos de bacalhau aos peregrinos que, com um «dia nacional» vão aumentar.

26 de Junho, 2014 Raul Pereira

Não é o “Inimigo Público”, mas parece…

De acordo com esta notícia do Observador, os responsáveis pela abolição do feriado de 5 de Outubro acham agora muito importante discutir a instituição do “Dia Nacional do Peregrino”, a 13 do mesmo mês, pois claro!

Prepara-se, assim, o assalto final de 2017; altura em que será oficialmente instituído o “Feriado Nacional do Milagre do Sol” e onde o Presidente da República substituirá definitivamente a figura da Primeira Dama pela da Senhora de Fátima, qual D. João IV em Vila Viçosa. Também serão queimados (novamente) os livros de Tomás da Fonseca. Eu, pelo sim pelo não, já escondi os meus.

A notícia adianta ainda que também se irá discutir a criação do “Dia Nacional da Paralisia Cerebral”…

Tomás da Fonseca

26 de Junho, 2014 David Ferreira

Deus e futebol

O jogador está no centro da área. Desmarca-se para receber a bola. Sente uma leve brisa no ombro e atira-se ao chão. O árbitro apita. Grande penalidade. O jogador levanta-se, exultante, ergue os braços ao céu e agradece a Deus. Perante os protestos do jogador adversário que também olha para o céu e abana a cabeça, incrédulo, clamando inocência. Como é possível, meu Deus?!

Neste jogo da vida pode um Deus omnipotente acudir a todos os pedidos e orações dos que nele creem? Não pode. A concessão de um simples pedido, de um desejo ou de um sonho a um indivíduo em particular quebraria a ordem natural, o rumo aparentemente caótico dos acontecimentos, e provocaria demasiadas incoerências e injustiças. Nada mais faria sentido, sendo que o que nos faz sentido varia de acordo com a adaptação constante da autoconsciência ao plano de existência causal em que evoluímos.

É precisamente o resultado do desempenho dessa autoconsciência que permite a recompensa ao farsante e a consequente penalização ao inocente, ao mesmo tempo que converte a culpa em graça por intermédio de uma reconfortante réplica do ego projetada extrinsecamente, a que dá o nome de Deus, um super-eu.

Neste jogo mais arbitrário que de livre-arbítrio, o árbitro, o juiz, o que decide a verdade de um facto ou de uma ocorrência, somos todos nós. Os que experienciamos, os que ajuizamos. Sempre iludidos pelas aparências devido às nossas limitações físicas e sensoriais. E para repor a verdade e a justiça não precisamos de Deus. Apenas de tecnologia.

26 de Junho, 2014 Carlos Esperança

Resposta a um inquérito académico (3)

P –  O que pensa do avanço e aplicação do secularismo em Portugal?

Resposta – O avanço do secularismo (doutrina da filosofia inglesa que reivindicava a administração laica dos bens eclesiásticos e, mais tarde, significou a confiscação de bens eclesiásticos) tem hoje um significado diferente, sendo a doutrina que tende a emancipar as instituições do seu carácter religioso. Neste sentido, e só neste, é defendido pelos ateus da Associação ateísta Portuguesa (AAP) que, para além de não acreditarem em qualquer deus, seja o Deus abraâmico ou outro, se reveem na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no respeito pela Constituição da República Portuguesa.

No entanto, dada a conjuntura económica atual, com o empobrecimento da população portuguesa, não estou certo de que o secularismo esteja ainda a avançar. A prática religiosa católica caminhava para valores residuais e nota-se agora uma estabilização, afirmação que faço sem rigor científico, dada a pouca transparência da Igreja católica a revelar o que se passa no seu interior, e um aumento progressivo de práticas religiosas por outras Igrejas cristãs que disputam a fé. Em períodos de crise, as crenças têm tendência a exacerbar-se e constituem uma âncora psicológica e, às vezes, material, com o contributo das Igrejas.

Permito-me recorrer a duas citações que definem o carácter democrático e plural do ateísmo que perfilham os sócios da AAP:
«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser cético, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in «A Questão religiosa» (1907).

«O Estado nada tem com o que cada um pensa acerca da religião. O Estado não pode ofender a liberdade de cada qual, violentando-o a pensar desta ou daquela maneira em matéria religiosa». Afonso Costa, in «A Igreja e a Questão Social»