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Dia: 12 de Agosto, 2013

12 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

Momento zen de segunda_ 12_08_2013-08-12

João César das Neves (JCN), devoto avençado da Igreja católica, é a fonte de inspiração de agnósticos, ateus, livres-pensadores e até de alguns crentes com sentido do ridículo.

Na homilia de hoje, no DN, não desilude. JCN combate a testosterona, exacerbada por sensações visuais de corpos esbeltos que resplandecem nos cálidos dias de verão, com reflexões pias. O devoto de todos os papas diviniza hoje o atual e exulta com os 5 meses de pontificado como se extasiava com o dos anteriores, quer expirassem em decadência física e intelectual (João Paulo II), por motivos cujo segredo está bem guardado (João Paulo I), ou resignação, a que não foram alheios o lóbi gay e a lavagem de dinheiro no IOR, como sucedeu com Bento XVI, que preferiu conservar a vida a manter a santidade.

É cativante o embevecimento de JCN com o papa Francisco, «um grande homem de Deus, límpido, sábio, transparente», e apoquenta-se com o deslumbramento, que julga generalizado, aliás, « paralelo à espantosa surpresa de 1978 com João Paulo II, 1958 com João XXIII, 1939 com Pio XII, e tantos outros». O branqueamento do passado de Pio XII deve estar ligado ao processo de canonização desejado pelos mais reacionários.

JCN insurge-se contra os «apelos para que a Igreja se adapte aos tempos modernos» e não poupa adjetivos a incensar o papa de que – segundo ele –, todos gostam. Para JCN, «os crentes querem ser, não populares, mas fiéis» e interroga-se: «Para que serve uma doutrina que pactue ou tolere injustiças, abortos, interesses, adultérios, ficções, libertinagem, abusos?». O que dói ao bem-aventurado é a legislação sobre a família, que despenalizou o aborto, permitiu o divórcio e não remete o adultério para o código penal. Mas isso é um azedume antigo que lhe altera o ph gástrico e exacerba a úlcera.

A sua homilia, «Pedra de tropeço», termina em apoteose: « Quem considera a Igreja ou o Papa deve saber que eles pertencem a Deus. Neste mundo de pecado, a divindade choca sempre. Não é Deus que se adapta ao mundo, mas o mundo que anseia por Deus. Como dizia S. Paulo, citando o profeta Isaías, “Reparai que ponho em Sião uma pedra de tropeço, uma rocha de escândalo, e só quem nela acreditar não ficará frustrado” (Rm 9, 33, cf. Is 28,16). Uma pedra em cruz».

Ámen. 

12 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

O Vaticano, a fé e a liberdade

Já o disse muitas vezes e não me cansarei de o repetir: «não há verdades absolutas». O que eu escrevo é a expressão do que penso e sinto sem me faltar o entusiasmo e a força da convicção, certo de que os meus adversários podem ter convicções igualmente fortes, de sinal contrário.

Dito o que acima fica reafirmado, reconheço que para um católico beato todos os papas sejam santos e para os ateus não passem, em qualquer circunstância, de gestores de uma multinacional da fé, responsável pela superstição, ignorância e aversão à modernidade.

Creio, no entanto, que é possível encontrar um módico de racionalidade nas críticas e substituir a calúnia pela argumentação.

O Papa Bento XVI redigiu a última encíclica Lumen Fidei (A luz da fé) com a chancela do seu sucessor porque abdicou do alvará da infalibilidade e da legitimidade de lançar encíclicas. É com surpresa que vejo este papa a aprovar o pensamento do antecessor, já que o Vaticano pareceu querer mudar de paradigma ao substituir dois pontificados sob os auspícios do Opus Dei pelo pontificado de um jesuíta.

Bento XVI foi herdeiro espiritual de Santo Agostinho e S. Boaventura. Não houve nele qualquer aproximação à modernidade, esforço para entender as mudanças a que na sua longa vida assistiu, apesar de ser um intelectual brilhante, mas reacionário.

Não podemos menosprezar o papel das Igrejas, diretamente proporcional ao poder de que dispõem e que tanto pode ser usado num sentido benéfico como posto ao serviço das forças mais retrógradas. A experiência histórica mostra que as Igrejas, instituições arcaicas, têm tendências conservadoras e repressivas e particular aversão à felicidade.

Não é por acaso que o progresso é acompanhado pela secularização e a emancipação humana pelo afastamento progressivo da moral religiosa. Fez mais pelo progresso da Humanidade a busca do prazer do que a insistência na salvação da alma.

Entre o efémero bem-estar na Terra e a felicidade eterna no Paraíso cada vez mais o bom-senso vai optando pelo primeiro.

12 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

DN – Suplemento Q – LER (2) – FIM

Suplemento Q_o convidado. DN – 10_06_2013

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei:

LER

«Porque não sou cristão» – Neste livro, Bertrand Russel, insigne matemático, filósofo e escritor, galardoado com  o prémio Nobel da Literatura, prestou um enorme contributo à causa do ateísmo. O seu ateísmo, que não era militante, impediu-lhe a docência numa Universidade americana, tal a sanha que o ateísmo despertava, e ainda desperta.

No fundo invocou dois argumentos para justificar o título e o conteúdo do livro. Um argumento intelectual, que o impedia de acreditar em afirmações que não pudessem ser comprovadas; e outro, de natureza moral, que o impelia a ter valores civilizados e humanistas completamente inexistentes na época em que Deus foi criado.

De facto, hoje, quando a pena de morte é um símbolo de atraso civilizacional, é com espanto que vemos o Deus que os homens criaram a exigir tal sacrifício, por vezes por razões tão fúteis como a apostasia e a blasfémia. B. Russel foi um verdadeiro pedagogo.

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Antigo Testamento – É uma obra cuja leitura é recomendada pela Associação Ateísta Portuguesa (AAP). Estando na origem dos três monoteísmos ninguém ficará indiferente ao potencial de violência que contém. São particularmente significativos o Levítico e o Deuteronómio cujos horrores ultrapassam os preconizados pelos três outros livros que integram o Pentateuco.

Não foi por acaso que a Igreja católica proibiu a leitura da bíblia durante muitos séculos. Desde as contradições que encerra, até à fragilidade das afirmações científicas, há matéria suficiente para desconfiar de um Deus, se o houvesse, que fosse tão violento e reduzisse a criação humana a um mero trabalho de olaria. Mas o que mais perturba, mesmo quem tem convicções firmes sobra a natureza humana do AT, é o seu carácter misógino, que está na origem de séculos de sofrimento por metade da Humanidade –as mulheres. Veja-se, aliás, que a libertação da mulher foi conseguida, onde foi, no último século e sempre contra a vontade das religiões que a reduzem à menoridade, com especial violência no Islão.

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Deus não é grande – Christopher Hitchens procura demonstrar através deste livro como a religião envenena tudo. Foi um ateísta militante que deu uma notável conferência, uma das últimas, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.  Este notável jornalista, escritor e crítico literário dedicou uma parte importante da sua vida a combater as religiões.

Talvez nenhum outro ateu tenha sido tão inflamado na defesa do ateísmo, uma opção filosófica que, contrariamente ao cristianismo e islamismo, não costuma ser prosélita.

A sua inteligência e sagacidade fez do livro «Deus Não É Grande» («God Is Not Great», no original), um libelo implacável contra a influência deletéria das religiões. Era temido pela rapidez do raciocínio e argúcia argumentativa.

Este livro é, para os ateus, uma referência que estimula o estudo das religiões. Hitchens, baseado nos textos ditos sagrados, documenta à saciedade como Deus é um reflexo do nosso medo da morte e desmascara, de forma inexorável, os dogmas responsáveis pela violenta repressão sexual e pelos caminhos ínvios que a humanidade, refém desses dogmas, percorreu.

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O Conde de Abranhos – Eça de Queirós é um notável retratista. No Conde de Abranhos, mais do que a ironia, é o sarcasmo que domina a imagem impiedosa de uma figura do Constitucionalismo. Misto de biografia e de romance, Eça escreve a história privada de Alípio Abranhos e a sua ascensão social, num delírio de humor e escárnio com que cria uma figura de que todos os regimes, todos os países e todas as épocas têm um avatar.

A descrição do Conde de Abranhos, cuja origem se perde numa genealogia suspeita, entre relações adúlteras e a roda de crianças abandonadas de um convento, é uma sátira ao oportunismo de um medíocre bacharel em direito que passa por deputado e chega ao ministério.

Este exercício de humor corrosivo ficou como imagem de marca do grande romancista. A biografia deste político constitucionalista, pela pena do seu secretário e dedicado biógrafo, Z. Zagalo, é uma das mais demolidoras críticas com que Eça de Queirós criou mais um personagem da sua imensa galeria de retratados.