Loading

Dia: 19 de Julho, 2012

19 de Julho, 2012 Luís Grave Rodrigues

Génesis

19 de Julho, 2012 Ludwig Krippahl

Confrangedor.

Escreve o Alfredo Dinis que o panorama dos blogs ateístas em português é «confrangedor [porque] os crentes são considerados pouco ou mesmo nada inteligentes, ignorantes, incapazes de pensarem pela sua própria cabeça, sem qualquer espírito crítico, dispostos a acreditar no quer que seja, hipócritas, exigindo que todos respeitem as suas crenças e práticas», o que «não pode estar mais longe da verdade»(1). Eu não descarto os crentes como meros agregados de defeitos mas, por outro lado, também não diria que a descrição está assim tão longe da verdade. Nem que são só os ateus a pensar isto dos crentes. A situação é mais complexa e multifacetada do que aquilo que o Alfredo sugere.

Se o Alfredo não restringir a definição de “crente” a algo como “teólogo católico doutorado em filosofia” e aceitar como crentes todos os que veneram um ou mais deuses, certamente verá muita ignorância e falta de espírito crítico nesse grupo, com criacionistas evangélicos, fundamentalistas muçulmanos, praticantes de vudu, candomblé e xamanismo, e afins. Um grupo, em média, menos tolerante do que os ateus. Há terrorismo religioso, países com penas de prisão ou de morte por apostasia e até a Igreja Católica persegue quem se atreve a desmascarar milagres da treta (2), manda censurar revistas (3) e cancelar campanhas publicitárias (4) por “falta de respeito”. Por cá, temos benefícios legais para as religiões sem nada equivalente para os ateus. Quanto à hipocrisia, também não me surpreende a acusação.

Por exemplo, apesar de, em Julho, o Alfredo considerar confrangedor chamar os outros ignorantes ou pouco inteligentes, em Maio escreveu de Dawkins que «a sua leitura da Bíblia – literalista e descontextualizada – não é a única possível, nem a mais informada e inteligente»(5). Em rigor, o Alfredo chama de ignorante e pouco inteligente à posição de Dawkins e não ao Dawkins em si. É uma distinção importante. Mas é a mesma que muitos ateus fazem. Eu não diria que pessoas como o Alfredo são pouco inteligentes, mas considero uma parvoíce a crença de que o criador do universo encarnou no filho do carpinteiro para morrer por nós. Se esta alegação é confrangedora e a do Alfredo não, então o critério dele é inconsistente.

Pior ainda é a diferença entre o que padres como o Alfredo dizem aos ateus e a doutrina que transmitem ao seu rebanho. Se compararmos uns milhares de pessoas doentes que vão a Fátima pedir curas, com outras, em situação análoga, que não pedem nada a Deus, qualquer diferença significativa a favor dos crentes será favorável à hipótese de Deus. Mas, dirá o Alfredo aos ateus, esta é uma forma incorrecta, e ignorante, de conceber Deus porque Deus não intervém nestas coisas e a sua existência não pode ser testada empiricamente. O problema é que isto classifica de ignorantes as multidões de crentes que vão a Fátima convencidos de que Deus vai intervir para bem deles. Ou seja, fazem o mesmo que o Alfredo diz ser confrangedor nos ateus e ainda encorajam os crentes, recebendo, com satisfação, as oferendas dos ignorantes que lá vão ao engano. Não é estranho que alguns vejam nisto hipocrisia.

Até o diálogo com o Alfredo levanta este problema. Por exemplo, o Alfredo continua a insistir que o universo não pode ter surgido do nada porque o conceito filosófico de nada proíbe que alguma coisa de lá surja (5). Mas, como já expliquei (6), o conceito não importa porque desses inventamos quantos quisermos. Também podemos conceber a combustão como um processo que produz flogisto ou a Terra como estando no centro do universo. O que importa é saber quais conceitos correspondem à realidade, e esse conceito filosófico de nada não corresponde. Por muito filosoficamente que se conceptualize, não há flogisto, o universo não tem centro e o nada não é como o Alfredo julga. É um estado instável no qual surgem partículas espontaneamente. Infelizmente, só vejo três explicações para esta teimosia do Alfredo. Ou não tem capacidade para compreender o assunto, ou lhe falta conhecimentos para perceber a física, ou então percebe bem o problema mas finge o contrário. Conhecendo pessoalmente o Alfredo, não posso aceitar as duas primeiras, mas também me custa aceitar a última. Fico assim de decisão suspensa só para evitar pensar mal do Alfredo. Mas nem todos terão a mesma relutância em formar uma opinião.

Finalmente, há uma recusa sistemática em reconhecer o problema fundamental. Citando um amigo, o Alfredo escreve que «há coisas que não vale a pena explicar. Ou porque são evidentes, e não é necessário explicar. Ou porque não são evidentes e não adianta explicar.» Isto é um disparate. O que não é evidente tem de ser explicado – e bem explicado – para que se perceba. E o que parece evidente tem também de ser explicado porque muitas vezes é falso. Só pela explicação é que percebemos que, ao contrário do que parecia, a Terra afinal não é plana nem a chuva vem dos deuses. Quer para o conhecimento quer para o diálogo, é preciso justificar adequadamente o que alegamos ser verdade. Os crentes também exigem isto dos seus interlocutores, mas isentam-se muitas vezes deste dever. A parábola que o Alfredo publicou a seguir ilustra bem isto (7). Dois fetos conversam na barriga da mãe. Um acredita que vai haver vida depois do nascimento. Que vai haver luz, que vão andar com os pés, comer com a boca, conhecer a mãe e assim por diante. O outro, do contra, diz que não. A mensagem parece ser que o crente acerta em tudo só por crer. Por pura sorte. Acredita e, hocus pocus, é verdade. Se é esta a atitude com que entram num diálogo não se devem admirar da má impressão que causam. Se, a quem nunca tivesse ouvido falar do catolicismo, eu alegasse saber pela fé que o criador de tudo é três pessoas numa só substância, pai, filho e espírito santo, o mais certo seria julgarem que eu não estava bom da cabeça, ou não fazia ideia do que dizia ou estava a aldrabar alguém.

1- Alfredo Dinis, ateísmo (em) português (1)
2- What’s up Finland, Sanal Edamaruku and the Catholic church
3- Spiegel, Pope Takes German Satire Magazine to Court
4- Huffington post, Benetton Ad Withdrawn Same Day As Release
5- Em Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo e insistindo novamente no Prós e contras.
6- Equívocos, parte 14. Filosoficamente nada.
7- Alfredo Dinis, citando um comentador, a vida depois da vida

Em simultâneo no Que Treta!

19 de Julho, 2012 Luís Grave Rodrigues

Casamento

19 de Julho, 2012 Carlos Esperança

Canonize-se Pio 12. Já.

Com a fúria canonizadora dos dois últimos papas não sei se Pio XII já foi promovido a santo ou se ainda permanece um simples beato. Aliás, tendo o beato direito a adoração local, não sei se um beato pode ser adorado em toda a União Europeia, espaço onde o Vaticano é a última teocracia.

Pio 12 não foi um celerado que arrancasse olhos aos sérvios, um carrasco que estivesse nos campos de concentração a assassinar judeus, um biltre que usasse as próprias mãos para despachar hereges a caminho do Inferno.

Pio 12 foi apenas um Papa católico, amigo da ordem e da paz, antissemita como os seus pios antecessores e anticomunista como os sucessores. Foi com muita mágoa – dizem os panegiristas de serviço –, que assistiu em silêncio ao extermínio dos judeus e, depois da guerra, para compensar, converteu conventos e seminários em refúgios nazis, enquanto a diplomacia do Vaticano arranjava passaportes para a América do sul.

Não se pode condenar Pio 12 pelo antissemitismo. É um dever que o Novo Testamento impõe, é o culto de uma tradição que alimentou as fogueiras do santo Ofício e um preito de gratidão a todos os santos que perseguiram judeus e moiros e dilataram a fé.

Pio 12 apenas queria celebrar concordatas com os Estados fascistas, proteger as famílias cristãs dos malefícios do divórcio e assegurar às crianças o ensino obrigatório da sua fé. Haverá odor que mais agrade a Deus do que o de um herege a ser queimado? Ou maior delícia de quem segue uma religião verdadeira do que a tortura de quem siga uma falsa?

Claro que Pio 12 deve ser canonizado. Quantos biltres o não foram já? O problema que lhe complica a vida é não ser incluído em levas de centenas e, na sua singularidade, ter ainda quem se lembre de que o Vaticano foi um antro de conivência com o fascismo.

Mas não aconteceu o mesmo com JP2, um papa que fazia milagres em vida, apesar de só os mortos terem alvará para o negócio?

Ora, canonize-se o cadáver. Com os anos que já leva de morto, há muito que não fede.