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Dia: 13 de Dezembro, 2009

13 de Dezembro, 2009 Ricardo Alves

Equívocos

O Alfredo Dinis da Companhia dos Filósofos promete esmiuçar os «grandes equívocos do ateísmo contemporâneo». Eu acho muito bem. Aprendo imenso quando me demonstram que estou errado (se o estiver). Mas, como o Alfredo diz que a religião melhora com a crítica (o que é precioso, porque a maioria dos crentes parece não conviver bem com a crítica) talvez seja a ocasião adequada para apontar alguns dos pequenos equívocos das religiões mais populares.

Por exemplo, a ideia de que se não há um «Deus criador», então o universo foi criado por «acaso». Não é verdade:  não há acaso absoluto enquanto houver leis que ordenam o universo; o que os crentes parecem resistir a aceitar é a ausência de propósito ético do universo, e da nossa própria vida fora do sentido que lhe entendermos dar.

Outra: a ideia de que «Deus» não pode ser comprovado nem refutado porque não é «espacio-temporal». É um equívoco imediato: não podemos ter um «Deus» que criou o universo espácio-temporal em que vivemos sem ser, ele próprio, espácio-temporal. E muito menos poderia ser interventor sem intervir-existir no nosso espaço-tempo. Um «Deus» que não pertence ao nosso espaço-tempo não pode ser interventor, e muito menos criador. Nem pode  ser o «Deus» dos cristãos.

E ainda mais uma: a ideia de que os ateus o são porque têm uma «imagem de Deus» incorrecta, nomeadamente, porque têm a imagem de um «Deus» maligno. A questão passa ao lado, porque a «imagem de Deus», se «Deus» existisse, não seria à escolha dos teólogos e dos crentes. Seria uma imagem evidente. E podem perfeitamente conceber uma imagem de um «Deus» bom, humilde, dialogante e afável, que isso não muda nada quanto à questão da existência.

Finalmente, a ideia de que o religioso é uma experiência puramente «interior», inacessível e dificilmente transmissível, e que portanto está para além da análise e da explicação. Aqui, stop. Era assim que eu gostaria que fosse. Mas não é: há alegações extraordinárias, instituições para as defender e tudo o resto. E o problema é mesmo esse.

P.S. É irónico que Alfredo Dinis fale em «cruzada» (ateísta) e em «exterminar a religião»: o objectivo proclamado de quase todas as religiões é converter a humanidade inteira. Mas muitas sabem colocar limites ao seu proselitismo, rejeitando a coacção. Nem sempre foi o caso com a ICAR. E já houve extinção de religiões em Portugal. Por exemplo, o islão e o judaísmo estiveram extintos durante séculos. E não foi o ateísmo o responsável.

13 de Dezembro, 2009 Ricardo Alves

Caetano Veloso sobre o ateísmo

A longa entrevista do cantautor Caetano Veloso à Ípsilon passa pelo ateísmo.

  • «No livro “Verdade Tropical”, o momento mais criticado foi eu dizer que o Brasil deveria ser ateu. E criticado com razão. Não há o menor indício de que o Brasil tenha vocação para isso.  Mas o ateísmo filosófico moderno, que tem a ver com a experiência do mundo moderno que vimos vivendo, não pode ser simplesmente negado. Eu não acredito na nova religiosidade, e acho que isso é um problema imenso, que tem de ser transposto. O Brasil tem tarefas imensas, e uma virada grande tem de incluir isso [o ateísmo]. Agora, não quer dizer que eu esteja satisfeito com o ateísmo conquistado até aqui. Eu acho que não é satisfatório.»
  • «(…) não me sinto bem com a identificação católica. Tenho uma relação um pouco conflituada com a ideia de religião, uma tendência anti-religiosa. Não é íntima, mas é muito forte. É uma questão de respeito à minha inteligência. Não gosto de ser enganado, não gosto de ver as pessoas serem enganadas, cresci numa casa em que todo o mundo ia para a Igreja…»
13 de Dezembro, 2009 Carlos Esperança

Alguns dados sobre João Paulo II, em vias de beatificação

A morte de JP2 relembrou a dor e sofrimento que atingiu a URSS quando o pai da Pátria, José Stalin, exalou o último suspiro e recorda o histerismo demente que rodeou a morte do ayatola Khomeini em todo o mundo árabe, particularmente no Irão. Em comparação, a morte de Salazar foi chorada de forma contida, mas os déspotas produzem emoções mais fortes do que os democratas.

O absolutismo papal, restaurado com o apoio entusiástico do Opus Dei, da Comunhão e Libertação e de outros movimentos integristas, fez de JP2 o Papa da «Contra-Reforma», anti-modernista, infalível e retrógrado, que substituiu os anacrónicos autos de fé pela comunicação social e pela diplomacia.

O Papa da Paz, como os sequazes o alcunharam, apoiou a Eslovénia e a Croácia (maioritariamente católicas) e a Bósnia e o Kosovo, nações muçulmanas, contra a Sérvia cuja obediência à Igreja Ortodoxa constituía um entrave ao proselitismo papal que tem nos ortodoxos a principal barreira ao avanço do catolicismo para leste.
A protecção aos padres que participaram activamente no genocídio no Ruanda foi mais um desmentido do boato sobre o alegado espírito de paz e justiça que o animava.

A intervenção de JP2 a favor da libertação de Pinochet, quando foi detido em Londres, foi coerente com a beatificação de Pio IX, do cardeal Schuster, apoiante de Mussolini e do arcebispo pró-nazi Stepinac. O auge da ignomínia foi a meteórica canonização do admirador de Franco e fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer.

JP2, ele próprio profundamente supersticioso e obscurantista, chegou a ser obsceno na forma como inventou milagres para 448 santos e 1338 beatos cujos emolumentos contribuíram para o equilíbrio financeiro da Santa Sé e para o delírio místico dos fiéis fanatizados.
Da prática do exorcismo à exploração de indulgências, da recuperação dos anjos à aceitação dos estigmas como sinal divino (canonizou o padre Pio), tudo lhe serviu para alimentar uma fé de sabor medieval e uma moral de conteúdo reaccionário.

O horror que nutria pela contracepção, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são do domínio da psicanálise. O planeamento familiar era para o déspota medieval um crime. A SIDA era considerada um castigo do seu Deus e, por isso, combateu o preservativo, tendo o Vaticano recorrido à mentira, afirmando que era poroso ao vírus (2003).
O carácter misógino, o horror à emancipação da mulher, a crença no seu carácter impuro, foram compensados pelo culto doentio da Virgem, recuperado da tradição tridentina.

Como propagandista da fé, pressionou Estados, condicionou a política de numerosos países, ingeriu-se nos assuntos relativos ao aborto, à eutanásia e ao divórcio e acirrou populações contra governos democraticamente eleitos. Apoiou comandos anti-aborto, estimulou a desobediência cívica em nome dos preconceitos da ICAR, influenciou a redacção da Constituição Europeia, e chegou ao despautério de pedir aos advogados católicos que alegassem objecção de consciência e se negassem a patrocinar o divórcio.

O Papa da Paz condenou a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago; envidou todos os esforços para obter o Nobel da Paz para si próprio, que justamente lhe foi negado; excomungou o teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya por ter posto em causa a virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; perseguiu ou reduziu ao silêncio Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli e Jacques Gaillot; marginalizou Hélder da Câmara e Oscar Romero; combateu o comunismo e pactuou com as ditaduras fascistas. João Paulo II morreu uns dias depois de o Vaticano ter proibido a leitura ou a compra do «Código Da Vinci» do escritor Dan Brown e sem nunca ter censurado a fatwa que condenou à morte o escritor Salmon Rushdie.

O Papa que morreu, segundo a versão oficial, no dia 02-04-2005 (soma = 13), às 21h37 (soma = 13), curiosidades «assinaladas» pelo bispo de Leiria/Fátima, não pode ser o algoz da liberdade, o déspota persecutório, o autocrata medieval, o ditador supersticioso e beato que conhecemos. É capaz de ser outro papa o que consternou chefes de Estado e de Governo, que alimentou os noticiários de todo o mundo, que rendeu biliões de ave-marias e padre-nossos, que ocupou milhões de pessoas a rezar o terço, vestígio do Rosário da Contra-Reforma, que recuperou graças ao apoio da Virgem Maria que também o promoveu nas suas aparições na Terra.

O Papa que morreu era talvez uma pessoa de bem que, modestamente, ocultou tal virtude. Foi celebrado por dignitários políticos, religiosos e outros hipócritas que, na morte, lhe enalteceram as virtudes e calaram os defeitos. Foi o cadáver que milhares de abutres aguardavam para exibir e explorar numa derradeira campanha de promoção da fé católica.

Foi, todavia, o mesmo Papa que anatematizou os ateus, fez inúmeras declarações contra o laicismo, silenciou teólogos, beatificou fascistas e combateu o planeamento familiar. A sua obsessão era reduzir o mundo a um casto bando de beatos, tímidos e idiotas, sempre de mãos postas e de joelhos. O livre-pensamento, a modernidade , o prazer e a liberdade foram os seus inimigos figadais.